"E lá estava ele, ainda um pouco impactado pelo filme que havia assistido, cochilando e acordando para ver o tímido amanhecer do centro da cidade. Levantou-se e olhou pela janela: algumas poucas pessoas indo trabalhar e os taxistas ainda ali, travados, como sempre. Ligou o rádio e ficou pensando em tudo, absolutamente tudo, talvez...provavelmente...certamente por efeito do filme. Pensou em como tudo seria dali para a frente, mas tudo ainda era uma incógnita que dependia da morte definitiva do yuppie que o habitava há alguns meses. O yuppie, por sua vez, precisava de permissão para morrer e essa permissão poderia levar até uma semana para ser dada, segundo seu cordenador, que era um filho da puta que fazia tudo de má vontade, quando fazia.
Já era dia, denunciava o céu rosa e azul que subia por trás e acima do morro por entre os prédios, então levantou-se mais uma vez do sofá, despindo-se do edredon e vestindo a mesma roupa com que fora trabalhar no dia anterior. Chico Buarque e outros sambas tocavam leves no rádio e ele ficaria ali pensando e montando planos um pouco mais, até que sua amiga convalescente acordasse e ele lhes fizesse um café, saindo antes dela e indo para casa trabalhar em seus projetos. O céu já era azul com nuvens brancas, sempre com ameaça de chuva e um mormaço, como nos últimos dias daquele inverno incomum.
Antes de levantar do sofá, ainda no centro, ele olhou mais uma vez para o amanhecer na janela e viu uma pomba branca em vôo, o que lhe fez lembrar de todas as coisas que viu, ouviu e sentiu nas últimas semanas, que indicavam e o empurravam para a liberdade, mas olhando novamente viu uma pomba negra, em vôo no sentido contrário da branca, que o fez pensar que de nada valeria aquela liberdade que mais uma vez galgava, se ele não fizesse o uso mais perfeito possível dela, aproveitando inteligentemente cada minuto para produzir ou para recuperar importâncias, substâncias e fundamentos.
Era hora de agir e ele sabia que esta era sua última chance."
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